Comissão diverge sobre responsabilidade do prefeito e pede mais prazo


Texto da relatora Lenir de Assis foi considerado "duro" pelos outros membros

A responsabilidade pelas irregularidades ocorridas durante o curso de formação da Guarda Municipal é a principal causa do “racha” dentro da Comissão Especial de Investigação (CEI) aberta pela Câmara para investigar o caso. Com o texto da relatora Lenir de Assis (PT) praticamente arquivado pelos outros dois membros da comissão, Jairo Tamura (PSB) e Tito Valle (PMDB), a CEI pediu prorrogação de prazo por mais 30 dias e trabalha num texto alternativo ao da petista, que perderia numa votação na comissão. Tamura acredita que no final da próxima semana o texto estará pronto. Valle fala em 10 dias. Lenir, por sua vez, protocolou o texto junto à CEI e não pretende recuar.

No debate sobre a atribuição de responsabilidades, Tamura e Valle consideram o texto de Lenir muito “duro”. Durante a semana, comentou-se que o relatório da petista – ainda mantido sob sigilo – responsabilizaria o prefeito Barbosa Neto (PDT) por parte das irregularidades. A tendência seria o pedido de abertura de uma Comissão Processante e por isso o texto teria sido barrado pelos colegas.

“A investigação aponta todas as datas [quando o curso começou e quando a Delmondes & Dias foi contratada], isso vai ser citado no relatório”, declarou Tamura. Segundo ele, a discussão sobre as responsabilidades “é jurídica”, “mas a participação numa aula inaugural não quer dizer acompanhamento real e ordenamento de despesas”. A referência é à participação de Barbosa Neto na aula inaugural do curso de formação da Guarda, em 12 de abril de 2010, 40 dias antes de assinar o contrato com a empresa que foi contratada para dar o curso.

Discórdia
Segundo Tamura, o relatório deve apontar “o erro, onde errou, porque errou e quem é o responsável”. “Vamos discutir e os apontamentos com o embasamento jurídico que vão apontar numa votação interna qual o melhor encaminhamento”, completou Tamura, que disse concordar “com a maioria” do que Lenir escreveu no seu relatório.

Valle afirmou que a comissão está “revendo alguns pontos do relatório”. Segundo ele, o ponto chave da discórdia é a responsabilidade pela contratação da Delmondes 49 dias depois de iniciado o curso. Segundo Valle, ainda houve a criação da chamada quinta turma, convocada no começo de maio – antes, portanto, da contratação da empresa. “Nessa quinta turma foi feito trabalho intensivo”, justificou. “Que houve erros, isso está evidente. Temos que atribuir as falhas a quem as cometeu”, declarou.

Lenir afirmou que seu relatório identifica as irregularidades e os responsáveis por elas. “Os encaminhamentos indicam responsabilidades que foram constatadas mediante documentos, oitivas e legislação”, argumentou. “Eles concordam com o relatório, mas não concordam com o encaminhamento. Eu não fiz o relatório ‘A’ e dei o encaminhamento ‘X’”, completou.

Pelo contrato, cada turma teve em média 14,7 horas/aula por dia
Para cumprir o contrato do curso de formação da Guarda Municipal, a Delmondes & Dias Ltda teria que dar uma média de 14,7 horas/aula por dia para cada uma das turmas, contando sábados, domingos e feriados. Isso porque a empresa foi contratada e começou a trabalhar 49 dias depois de iniciado o curso, que teve um total de 85 dias de duração – em tese a empresa foi responsável pelo curso nos 36 dias restantes. O contrato fala em 634 horas/aula por turma, num total de 2.536 horas/aulas para todas as turmas.

De acordo com notícias veiculadas no Núcleo de Comunicação da Prefeitura de Londrina, o curso de formação começou no dia 7 de abril de 2010. O N.Com publicou um vídeo da aula inaugural, realizada no dia 12 de abril, da qual participou o prefeito Barbosa Neto (PDT). O contrato com a Delmondes & Dias Ltda foi assinado dia 21 de maio pelo próprio prefeito, que participou da aula inaugural do curso para o qual a empresa foi contratada. A empresa começou a trabalhar para a Guarda Municipal no dia 26 de maio.

Quinta turma
Como a prefeitura pagou R$ 119,4795 por hora/aula à Delmondes, a tese da “quinta turma” fica comprometida: a empresa recebeu R$ 303 mil pelo serviço, o que equivale a 643 horas/aula para quatro turmas. O argumento da quinta turma foi usado pela administração municipal no decorrer das investigações da Comissão Especial de Inquérito (CEI) criada pela Câmara para investigar denúncias de irregularidades no treinamento da guarda municipal. Uma quinta turma com carga horária idêntica a das demais custaria mais R$ 75.750 aos cofres públicos.


Pagamentos
Uma cláusula do contrato que só seria cumprida sob um esforço quase sobre-humano é a quarta. Ela diz que os pagamentos à Delmondes seriam feitos “em três parcelas, mensalmente”. Os pagamentos foram feitos em três notas fiscais de igual valor: R$ 101 mil, o que equivaleria a 211 horas/aula por turma. A questão é que em vez de três meses, esses pagamentos foram feitos em junho de 2011, nos dias 8, 22 e 30. A primeira delas, que consta da nota fiscal 014, corresponde a 13 dias (de 26 de maio a pelo menos 7 de junho, já que a nota tem data do dia seguinte). A levar o contrato ao pé da letra, a Delmondes & Dias Ltda deveria ter ministrado 16 horas/aula por dia para cada turma.

No dia 22 de junho, novo pagamento, este feito pela nota fiscal número 016. Dessa vez referente a 14 dias de curso, o que daria uma média de 15 horas/aula por dia para cada turma. No último pagamento, feito em 30 de junho, por meio da nota fiscal 017, um novo recorde pedagógico: para dar 211 horas aula em 9 dias para quatro turmas – valor pelo qual a Delmondes recebeu – seriam necessárias 23 horas/aula por dia para cada turma.

Aditivo permitiu carga horária flexível, segundo ex-secretário

Benjamin Zanlorenci, secretário de Defesa Social na época da formação da Guarda Municipal, disse que o curso foi dado e que o contrato com a Delmondes & Dias “foi cumprido”. “Deram 2.536 horas e mais as 530 horas que foram na quinta turma, que chegou no dia 29 de maio”, afirmou. Segundo ele, foram dadas aulas à noite para cumprir o cronograma. O Aditivo 1 ao contrato, assinado no dia 8 de junho, torna “flexíveis, de acordo com a necessidade e a anuência da Secretaria” o limite de carga horária do curso. O contrato original limitava em 12 horas.
O secretário de Gestão Pública, Marco Cito, não foi localizado sexta-feira pela reportagem para comentar o contrato com a Delmondes & Dias.

Fonte: Jornal de Londrina