Trabalhadores enraivecidos


Grevistas franceses retomam um método radical para chamar a atenção: o sequestro de executivos

Por Rodrigo CAETANO

Existem diversas maneiras de protestar. Algumas mais inusitadas do que outras. Há quem prefira tirar a roupa, como as meninas do grupo feminista ucraniano Femen, ou realizar performances em igrejas, caso das roqueiras russas do Pussy Riot. Os trabalhadores franceses, por sua vez, há muitas décadas adotaram uma maneira mais radical de chamar a atenção para suas reivindicações: sequestrando seus patrões. Na terça-feira 7, no episódio mais recente, dois executivos da fabricante americana de pneus Goodyear foram mantidos reféns pelos operários de sua fábrica em Amiens-Nord por dois dias.

Liderados pelo sindicalista Mickael Wamen, os trabalhadores protestavam contra o fechamento da unidade. Barricadas com pneus em chamas foram erguidas junto aos portões. "O show está apenas começando", afirmou Wamen. Os executivos sequestrados, Michel Dheilly, diretor de produção, e Bernard Glesser, chefe do departamento de recursos humanos, só foram libertados após muita pressão de autoridades locais e da polícia. A disputa envolvendo os trabalhadores de Amiens-Nord e a Goodyear já se arrasta há um ano.

Em janeiro do ano passado, a empresa anunciou o fechamento da unidade por não conseguir chegar a um acordo com o sindicato em relação a salários e jornada de trabalho. Caso as atividades da fábrica sejam encerradas, 1.173 pessoas devem perder seus empregos. O governo do primeiro-ministro François Hollande, que luta para reduzir o índice de desemprego no país, atualmente em 10,9%, o maior em quase 16 anos, acabou se envolvendo no assunto. Arnaud Montebourg, ministro da Indústria da França, tentou encontrar um comprador para a fábrica, sem sucesso. Em março, protestos em frente ao QG da companhia resultaram em 19 policiais feridos.

Pode parecer absurdo, mas o sequestro de executivos é uma medida popular entre os trabalhadores franceses. Os primeiros casos aconteceram na década de 1970. Em 2009, uma onda de sequestros atingiu as fábricas das americanas Caterpillar, que produz tratores e motores, e 3M, do setor químico, e da empresa japonesa de eletroeletrônicos Sony, entre outras. Mas o que leva os operários a tomarem medidas tão drásticas? A resposta é simples: nesses casos, o crime compensa, segundo os sindicatos franceses. A maioria dos sequestros de patrões na França resultou em grandes vitórias dos funcionários.

No episódio da Caterpillar, no qual quatro executivos foram feitos reféns por 24 horas, a empresa aumentou generosamente o valor das indenizações por demissão. A 3M, que teve um gerente sequestrado no mesmo ano -- vale ressaltar que os sequestradores, na época, ofereceram à "vítima" um belo jantar de mexilhões e batatas --, acabou tendo de pagar EUR 800 mil em indenizações aos trabalhadores demitidos. Na Sony, o valor das rescisões trabalhistas quase dobrou em relação ao estabelecido inicialmente, após o sequestro de quatro executivos. Em todos os casos, as empresas processaram os líderes das manifestações, mas nenhum deles foi preso ou condenado.

No Brasil, apesar de não ter sido registrado nenhum caso do gênero recentemente, também já ocorreram episódios semelhantes. Em 1968, ano em que foi baixado o AI-5, no auge da ditadura militar, trabalhadores da Cobrasma, fabricante de equipamentos ferroviários, ocuparam a sede da com­panhia em Osasco, na Grande São Paulo. Cerca de 30 diretores e executivos foram trancados em uma sala, sob a guarda de um operário armado com um maçarico em chamas. Ao contrário dos protestos franceses, que foram resolvidos com diálogo e resultaram em benefícios aos trabalhadores, a repressão contra os brasileiros foi intensa. Mais de 800 funcionários acabaram detidos. A maior parte dos líderes do movimento entrou na clandestinidade, foi presa ou teve de exilar-se.

Fonte: Revista Isto É Dinheiro. 12/01/2014