PREVIDÊNCIA SOCIAL - Segurança no trabalho é obrigação do empregador


Nesta terça-feira, o Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR) realiza uma série de eventos para marcar o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trabalho. A proposta é aproveitar a data para promover a conscientização da importância de investir na saúde e segurança no trabalho. Em 2013, segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social, o Brasil registrou 717.911 acidentes de trabalho, dos quais 14.837 resultaram em incapacidade permanente e 2.797 em óbito. O Paraná registrou 53.132 acidentes, dos quais 1.353 resultaram em incapacidade permanente e 270 em mortes – números que colocam o estado em quinto lugar no número de acidentes (atrás apenas de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) e terceiro que mais registra óbitos (atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais). 

As atividades serão realizadas em três municípios, Curitiba, Umuarama e Pato Branco. Na capital, a programação está a cargo do Fórum de Proteção ao Meio Ambiente de Trabalho do Estado do Paraná (FPMAT-PR), coordenado pela procuradora do trabalho Ana Lucia Barranco. Dados da Secretaria de Saúde do Paraná mostram que em 2014 foram registrados 363 óbitos no trabalho em todo o Estado. A maioria das mortes acontece por acidentes de trânsito (185), choque (24) e impacto de objetos (21). As atividades que mais tiraram a vida de trabalhadores paranaenses foram motoristas de caminhão (52), trabalhador volante na agricultura (18), pedreiro (17), empregado doméstico (16), eletricista de instalações (15) e alimentador de linha de produção (8). 

Em entrevista à FOLHA, a procuradora Ana Lucia Barranco fala das principais dificuldades em reduzir o número de acidentes e mortes de trabalhadores no Brasil. Pela avaliação dela, quase a totalidade dos acidentes poderiam ser evitados com medidas de prevenção. Ela também define a terceirização no mercado de trabalho, cuja proposta está em tramitação no Congresso, como "a grande tragédia do século". "Somos contra, é a forma mais clara e evidente de precarização da relação de trabalho." 

O Paraná é o terceiro Estado que mais registra óbitos de trabalhadores. Por que estamos nessa posição? 

É uma faca de dois gumes. Por um lado a gente tem uma realidade de muitos acidentes. Até um dos fatores recentemente discutidos em nosso Fórum é o pequeno número de auditores fiscais do trabalho especializados na área de meio ambiente do trabalho. Nós temos um quantitativo muito pequeno de fiscais face ao número de empresas que temos. Então, dificuldades na fiscalização acabam levando a um sentimento equivocado de impunidade, acabam levando a um não investimento em políticas preventivas de segurança do trabalho. Mas por outro lado, nós temos que relativizar um pouco esses números porque é proporcional o número dos acidentados com o número da população economicamente ativa. Como no Paraná a gente tem uma população grande, uma parte grande economicamente ativa, então nós vamos registrar um número maior de óbitos. E também pelo fato de que a Secretaria de Estado ter investido muito na parte de capacitação dos profissionais de saúde. Se houve uma maior conscientização, automaticamente os médicos das unidades de saúde passaram a registrar e notificar mais os agravos relacionados ao trabalho. É um dos fatores. Mas a nossa realidade, infelizmente, ainda é de muitos acidentes. Se for considerar os informais, os que estão trabalhando sem registro, os que estão trabalhando sob uma falsa denominação de autônomos, o nosso universo vai ser muito maior e o número vai crescer ainda mais. 

Houve uma diminuição no número de acidentes entre trabalhadores do sexo masculino e aumento das ocorrências entre as mulheres. Por quê? 

Eu acredito que primeiro porque as mulheres têm saído mais para o mercado de trabalho e, segundo, porque elas estão passando a ocupar funções que eram tipicamente masculinas. Na construção civil a gente vê mulheres fazendo papel de pedreiro, de mestre de obra, que são atividades com alto índice de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Motorista de ônibus, piloto de avião, atividades antigamente tipicamente masculinas e que hoje em dia são postos de trabalho também ocupados pelas mulheres. E a própria saída das mulheres para trabalhar fora. A gente sabe que muitas mulheres são chefes de família e respondem pelo sustento da casa. Consequentemente, o trabalho fora vai gerando mais agravos à saúde da trabalhadora. 

É grande a diferença entre o número de óbitos entre motoristas de caminhão, setor que mais mata trabalhadores no Paraná, e o segundo colocado nesse ranking, a agricultura. Por que tanta diferença? 

Infelizmente é um fator bem preocupante. E agora a gente ainda teve um retrocesso com a Lei do Caminhoneiro. A gente tinha uma lei (do Descanso) que estava limitando a jornada, e agora, para nós do MPT, houve um retrocesso permitindo que o caminhoneiro volte a fazer uma jornada maior, com menos pausa, menos intervalo. O excesso de jornada está diretamente ligado ao número de acidentes de trabalho. Prestar atenção, em oito horas de serviço, é uma coisa. Depois de 12 horas a concentração diminui e a chance de acidente é muito maior. Essa questão afeta não só o trabalhador, mas todos que estão na estrada. Porque o motorista vai estar cansado, vai estar com uma jornada excessiva sem descanso, sem atenção e é quando acontecem os maiores acidentes. No Paraná temos bastante registro pela grande produção rural que vem do interior. Eu reputo esse número grande ao intenso tráfego do interior para o Porto de Paranaguá. 

Qual o objetivo das mobilizações marcadas para 28 de abril? 

Lançar sementes de conscientização para os trabalhadores, os empregadores, a sociedade de uma maneira geral para a importância da prevenção dos acidentes de trabalho. Primeiro, porque não tem como mensurar quanto custa um pai de família fora de casa por causa de um acidente de trabalho. E são acidentes tão previsíveis. A grande maioria é causada pela falta de equipamento, falta de prevenção, falta de programas de gerenciamento de risco. São evitáveis e se são evitáveis, tem que trabalhar com a conscientização, tem que trabalhar com a prevenção para que não haja essa falha, essa penalização tão grande da família e também da empresa, que vai ter que arcar com todos os seguros recorrentes e o Estado com o custo social. 

É mais barato prevenir do que arcar com esses custos. 

Com certeza. Eu acho que a longo prazo as empresas vão começar também a entender que sai mais barato prevenir porque a Previdência Social está começando a entrar com ações regressivas. Quando fica caracterizado que o acidente foi por culpa do empregador, a Previdência está indo buscar indenização para ressarcir os cofres públicos. O próprio trabalhador, hoje em dia, está tendo mais consciência e conhecendo mais os direitos. A maioria das vezes a culpa é do empregador porque não propiciou o ambiente de trabalho seguro, saudável. Não basta ele fornecer os equipamentos de proteção, ele tem que fornecer, orientar, treinar e fiscalizar o uso. Como eu brinco aqui, o capacete em cima da mesa não vai proteger ninguém. O capacete tem que estar na cabeça do trabalhador. Um capacete novo, adequado, em condições de uso e efetivamente o trabalhador utilizando durante o período de expediente. Culpa do trabalhador, eu vou te dizer que é o residual do residual. O ato inseguro é um argumento que hoje em dia a gente não considera. Ninguém vai colocar a mão na máquina para perder a mão. É a falta de treinamento, é a falta de proteção na máquina que deveria ter um dispositivo que impedisse que o trabalhador colocasse a mão. 

E sobre as máquinas importadas da China sem dispositivos de segurança? 

A gente não tem uma legislação específica no Estado do Paraná que proíba a importação de máquinas sem dispositivo de segurança. Mas isso não é desculpa para o empregador. Ao empregador cabe fornecer um ambiente de trabalho saudável e seguro. Ele poderá importar a máquina. Mas teoricamente ele não poderia colocar funcionando. Se tiver uma fiscalização, os fiscais vão interditar a máquina e será exigido que o empresário coloque o dispositivo de segurança. 

Como o MPT vê o projeto de lei que regulamenta a terceirização do trabalho? 

Nós somos completamente contra. A terceirização é a forma mais clara e evidente de precarização da relação de trabalho, ou seja, de desproteção do trabalhador. O trabalhador fica à deriva. Nas atividades que são permitidas, as chamadas atividades-meio, ligadas à limpeza, asseio, conservação, o que vemos são os trabalhadores com mais rotatividade, salários mais baixos, com menor força em termos de movimento sindical e o maior contingente de empresas que fecham e deixam os trabalhadores sem receber. A lei vai servir para qualquer atividade. Você poderá ter empresas sem nenhum empregado. Em um banco, o caixa vai ser de uma terceirizada, vigilante de outra, copeiro de outra, escriturário de outra. Serão bancários? Não. Cada um vai pertencer à categoria X, Y ou Z. Vão ter um sindicato que cuide? Não. Vão ter um salário digno, alguém que lute? Não. A partir de 50 empregados, uma empresa tem que ter serviço médico especializado. Você acha que vai ter empresas com mais de 50 empregados? Vão cumprir cota de deficiente, cota de aprendiz? Não, pois não terão número para isso Será a total desproteção do trabalhador. A grande tragédia do século.

Fonte: FOLHA DE LONDRINA