O falso deficit previdenciário


Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo nesta quinta-feira (06/10)

 O Brasil precisa fazer uma reforma previdenciária, é claro. Estamos de acordo. Mas a nossa prioridade não é a mesma dos ministros do presidente Michel Temer. Eles anunciam, com certo ar de provocação, que o sistema só se salvará com a implantação de uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos.

 Nós defendemos que o único caminho viável é o governo apresentar um orçamento de seguridade social, como determina a Constituição de 1988. E ser transparente, o que é sempre imprescindível.

Que fique bem claro, os trabalhadores não são responsáveis pelos desacertos da Previdência Social. Não podem pagar a conta, portanto, como quer o governo.

 Se a idade mínima for implantada, isso significará, por exemplo, que no Estado de Alagoas, em que a média de vida é de 66,8, a maior parte das pessoas não vai se aposentar. Terá que morrer trabalhando. Situação quase idêntica, com algumas pequenas diferenças, pode também ocorrer no Maranhão (67,6), no Piauí (68,9) e na Paraíba (69).

 É importante destacar que a inserção no mercado do trabalho na França, por exemplo, começa em média aos 24,5 anos -depois, portanto, de concluída a faculdade e escolhida a profissão. Aqui no Brasil, um país pobre e de grande desigualdade social, as pessoas já trabalham desde os 16 anos, muito cedo e sem tempo para estudar.

 Todo mundo sabe que somos um país muito mal administrado. A Previdência Social é uma prova disso. Dizem que é deficitária, mas não é verdade. Os números da seguridade social são positivos. Acumularam, de 2007 até 2015, um saldo de R$ 439,503 bilhões.

 E seriam ainda maiores, é bom que se diga, se fossem consideradas as desonerações e renúncias fiscais que, no mesmo período, chegaram a R$ 735,920 bilhões. A coisa não para por aí: a Receita Federal projeta, para este ano, R$ 143,182 bilhões de desonerações do orçamento da seguridade social. É dinheiro que não entrará nos cofres da Previdência.

 A Constituição de 1988 determina que a receita e as despesas da seguridade social devem formar um orçamento próprio, separado, portanto, do orçamento fiscal do governo. Como a lei não é obedecida, embaralha-se tudo. Fica fácil montar uma gigantesca farsa contábil.

 Segundo se divulga, o deficit da Previdência é crescente há mais de 20 anos. Ano passado, estaria em R$ 85 bilhões. Atingiria, agora em 2016, algo próximo a R$ 150 bilhões.

 Pois bem, só com a dívida que a Previdência tem a receber, R$ 236 bilhões, já seria possível cobrir o rombo. Outro grande ralo é a falta de fiscalização para aperfeiçoar a gestão, além do controle dos bens da Previdência, como imóveis e outros tipos de propriedades.

 Uma das principais ações para sanar as contas da seguridade social, e as do próprio governo, seria a criação de dois fundos: o do Regime Geral da Previdência Social e o do Conselho de Gestão Fiscal, com a participação de trabalhadores e empresários.

 Não resta dúvida de que as mudanças demográficas precisam ser acompanhadas com muito cuidado. Essa janela, segundo estudos que temos em mãos, só começa a se fechar, no Brasil, entre 2025 e 2030. A nossa população de idosos, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), é da ordem de 13%. Nos países mais desenvolvidos, esse percentual chega a 30%.

 Portanto, ainda não é a transição demográfica que está criando o atual deficit da Previdência. Antes de estabelecermos uma idade mínima, temos que melhorar o sistema de gestão previdenciário.

 RICARDO PATAH, 62, pós-graduado em administração pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é presidente nacional da UGT - União Geral dos Trabalhadores